Salvos pelos Avós!

O Pe. Tolentino é sem dúvida uma pessoa especial. Gosto muito de o ouvir, mas ainda gosto mais de o ler! Os textos dele tocam-me sempre imenso e fico sempre com vontade de ler mais e mais...
Deixo-vos este sobre os Avós, simplesmente delicioso!


Falaram de um jogo um bocado elementar que é utilizado nas escolas quando se quer introduzir a questão das escolhas éticas. Existe um navio que se está a afundar e que transporta dez tripulantes. Ao lado, está um providencial bote salva-vidas pronto para ser posto em funcionamento mas onde infelizmente não cabem todos. O bote só comporta sete pessoas. Urge, por isso, determinar quem tem lugar ali. Tarefa bem dramática! Os dez tripulantes formam, normalmente, um naipe humano variado, novos e idosos, parentes e estranhos, simpáticos e antipáticos, notáveis e anónimos, instruídos e inaptos. Com que critérios construiríamos nós a decisão se estivéssemos perante uma situação tal? O jogo tem evidentemente o seu quê de rocambolesco, mas as conversas que proporciona acabam por torná-lo, a maior parte das vezes, um ponto de partida interessante. Chamou-me a atenção um dado que os investigadores detetam. Quanto mais jovens forem os alunos a quem se apresenta o jogo, mais previsível se torna a escolha seguinte, se entre os tripulantes do navio estiverem avós, eles são dos primeiros a ser salvos. Não importa se muito avançados em idade ou de saúde debilitada. Os avós aparecem a encabeçar a lista. E a gente pergunta, porquê os avós? O que é uma avó ou um avô no percurso de uma vida, quando, à maneira das sementes, mergulhamos no demorado processo de germinação ou iniciamos as aprendizagens fundamentais? Que contributo indispensável é o seu? Porque sentem os mais novos que eles devem indiscutivelmente ser salvos? Os avós são mestres de uma arte esplêndida e rara: a arte de ser. Os avós sabem tornar um mero encontro quotidiano numa apetitosa celebração. Sabem olhar e olhar-nos sem pressas, vendo-nos esperançosamente mais adiante. Sabem dar valor às coisas de nada. Nunca consideram que quando se entretêm connosco estão a perder tempo, muito pelo contrário. Sabem que o amor dá-se bem com essa gratuita condivisão. Os avós são docemente silenciosos, mesmo se muito tagarelas. Os avós parecem distraídos, e isso é bom. Os avós caminham a nosso lado sem pressa. Têm tanto de distante como de próximo no arco do tempo. Têm uma sabedoria que se expressa por histórias calorosas e não por conceitos. Têm uma memória que nos parece inesgotável, cheia de aventuras, de bagatelas e de detalhes para divertir. Têm armários carregados de objetos (alguns incompreensíveis) que nos põem a sonhar. Apresentam-nos a gostos e a sabores que passamos a identificar com eles. Os avós já foram muitas vezes aos lugares onde nos levam pela primeira vez. Chamam a atenção para coisas incalculáveis, como a forma de uma nuvem ou a cor diferente que ganham as folhas. Ensinam-nos com serenidade, colocando-se a nosso lado. Nunca acham despropositada a fantasia, nem os medos, nem o mimo. Têm o sentido das pequenas coisas e colos onde cabem as grandes. Eles não separam, como o resto das pessoas, aquilo que é útil do que é inútil. Fazem-nos sentir que é assim, que já passaram por isso e que existe uma solução que nos vão revelar, só a nós, como um grande segredo. Amparam os nossos desequilíbrios com o corrimão invisível e seguro do seu afeto, disponíveis degrau a degrau. Adivinham o que não dizemos sem se confundirem com a nossa confusão. Quando não estão connosco, pensam em nós, repetem aos amigos as frases que dissemos, disputam-nos, orgulham-se de coisas parvas, como o modo como sorrimos ou respiramos. Penso que se sentimos tão intensamente que os devemos salvar é porque percebemos, desde muito cedo, que somos salvos por eles. 
José TOLENTINO MENDONÇA, Salvos pelos Avós, Expresso. Revista, 09. 11. 2013

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